Wednesday, March 28, 2007

Se eu pudesse ser qualquer personagem de ficção, nisto incluindo a literatura, a banda-desenhada, o cinema, etc..., eu queria ser, sem pensar duas vezes, Huckleberry Finn.
Porque é o mais livre de todos; porque tem um nome fixe; porque despreza o dinheiro e não tem de se preocupar com ele (e lembro, para todos os efeitos, que, a partir do final das Aventuras de Tom Swayer e durante todo o tempo narrativo das Aventuras de Huckleberry Finn, cuja acção é posterior, ele é rico); porque vive num barril; porque vive junto ao rio e vê passar navios belos; porque é um puto reguila; porque é um amigo verdadeiro, apesar de não esperar nem exigir nada de ninguém, ou precisamente por isso; consequentemente, porque é completamente independente; porque não lava a parte de trás das orelhas; porque só tem dez anos e fuma que nem um cavalo; porque anda sempre descalço; porque há-de crescer para ser um pirata e um assassino (pelo menos, esse é o sonho dele); porque não vê televisão nem sabe ler, mas de alguma forma há-de ter ouvido em algum lado histórias de piratas e assassinos; porque haverá de aprender a tocar banjo, mais cedo ou mais tarde; porque não ama ninguém; porque não tem família; porque tudo indica que se tornará um alcoólico; porque é ignorante, mas vivaço; porque aprendeu a safar-se sozinho; porque cospe na cara da assistência social, o que quer que fizesse as vezes de assistência social naqueles tempos, por aqueles lados; porque é uma espécie de Tarzan dentro da civilização; porque aprendeu tudo sozinho, inclusive a falar; porque é um poeta; porque é o maior dos poetas; porque olha para nós com aquele sorriso que quer dizer "eu sei que querias ser como eu, mas eu sou único"; porque, apesar de tudo, é condescendente com nós todos; porque basta olhar para a tia do Tom Swayer ou para a namorada do Tom Swayer para ver do que se livrou; porque, numa adaptação da Disney, quem faz de Huckleberry Finn é o Pateta; porque é ainda mais corajoso que o Tom Swayer; porque o Tom Swayer é um grande amigo e adora o Huckleberry Finn; porque tem um buço adolescente, apesar da tenra idade; porque talvez se venha a tornar um Messias, depende da categoria do álcool em que ele se meter; porque nunca vai conhecer nada além do Mississipi, mesmo que viaje por todo o mundo; porque é um herói; porque tem chapéu; porque não é racista, talvez por viver à parte da sociedade, que ainda é esclavagista; porque é naturalmente bom; porque partilha tudo o que tem, mesmo que seja nada; porque nunca teve de ir à escola; porque o céu é de todas as cores, para ele; porque é o único que não tem medo de fantasmas, apesar de eles o perseguirem; porque não gosta de dormir numa cama; porque as suas aventuras acabam cedo demais.

1 comment:

Unknown said...

Meu deus. Já não lia algo tão bonito desde a descrição do escudo de Aquiles na Ilíada.
Muito bem, Tom.