Sunday, April 1, 2007

Encontro às vezes um homem no café a que costumo ir,
um bocado afastado da minha casa
este homem, dantes, quando eu era pequeno,
ia a um outro café mais perto de minha casa
que era onde iam os assalariados da minha terra
(ao sábado à noite, principalmente)
e muitas vezes, bebia cerveja e jogava sueca com o meu pai
lembro-me que ele tinha uma filha mais ou menos da minha idade
não muito bonita, mas rechonchudinha
com o cabelo ruivo, liso, longo, impecável, e sem sardas
e creio, até, que foi a partir daí que comecei a gostar de raparigas rechonchudas e/ou ruivas
não tenho a certeza, mas acho que ele trabalha na construção civil
este homem, vejam bem, não mudou nada
baixinho, calças de ganga puídas e camisa xadrez ou às riscas
sempre com a mesma idade, uma conversa aqui e ali sobre futebol ou mulheres ou costumes
de resto, o olhar fixo no ecrâ de televisão
como se fosse o único a seguir o filme
feições belas de indefiníveis, pele trigueira e gasta, cabelo castanho claro não muito nem pouco oleoso, não muito nem pouco comprido
e a barba de quem não tem aspirações para o fim-de-semana,
quando ele ia ao outro café, lembro-me bem, fumava SG Gigante
pedia sempre à filha que fosse comprar, para não ter de tirar as mãos das cartas
eu teria, nessa altura, dez anos, ou por volta disso...
não sei porque é que ele deixou de ir àquele café e passou a ir a outro
talvez tenha mudado de casa, talvez encontre os amigos dele noutro lado.
o meu pai também deixou de ir àquele café...
adoro encontrá-lo, agora,
tanta coisa mudou, mas ele não
e eu acho que ele tem qualquer coisa de especial
porque sou eu que escrevo sobre ele, não o contrário.

No comments: