Thursday, January 10, 2008

Meu amor,
Sou tão pequeno que mergulho no chão por baixo de ti
E tu és só as partes ínfimas do teu corpo que eu nunca vi
A lua cobre o teu cabelo
Como se tu não fosses feita de gelo
Mas a lua não te deseja tanto como eu

A minha imaginação é um véu que te esconde quase toda
E quase toda é tudo aquilo que tu és
Todas as noites e todos os dias sonho em fazer amor contigo
E faço-o mesmo à tua frente

Não quero nada de bom vindo de ti
Eu sei que o teu peito pede um coração que o perfure
Ou um outro peito encostado a ele a delirar de tão inquieto
Receoso da cereja palpitante sem coragem de roçar o gume do punhal
Para não perder uma gota de sangue que seja

Nunca disse que te amava, e não vou dizê-lo agora
A menos que te dispas e entres na minha cama
Antes que a minha cama desapareça sob os meus ossos
Sobretudo naquele momento em que o meu amor e o teu interior ocupam o mesmo espaço, ao mesmo tempo

providências para o meu funeral

Tratarei de especificar aqui quais as providências a tomar para a execução de um funeral que não me faça dar voltas na campa (mesmo que eu ainda esteja cá fora). Mais tarde, tratarei de imprimir este texto e fazê-lo assinar por um notário na presença da minha alma e, essencialmente, do meu corpo.
Antes de mais, quero um anúncio na secção de necrologia do Jornal de Notícias, fornecendo todos os particulares rocambolescos da ocorrência (bateu com a cabeça num corrimão, e tal e tal...), especificando o dia e hora do funeral, mas, sobretudo, indicando no fim do artigo, "há torresmos" (o que, efectivamente, haverá, mas já lá vamos...).
Não se realizará uma missa, mas notabilizar-se-á a presença de um pregador que pronunciará as seguintes palavras: so-lavie di-le-do; so-lovie di-le-jo; he-li venco de-ho; che-li venco de-ho; malio; he-libo se-yo-man; he-libo se-yo-man; malio; malio.
Posto isto, proceder-se-á à audição de uma música dos humanos, da qual não sei o nome, mas que começa com "vou viver, até quando eu não sei..."
Posteriormente, acaba-se as merdas. É servido o copo-de-água, confeccionado, de preferência, mas não obrigatoriamente, pelo meu melhor amigo, Gonçalo, a saber:

entrada - torresmos
sopa - torresmos
prato de carne - torresmos
prato de peixe - torresmos
sobremesa - torresmos com compota de morango
vinho verde

Durante e após a refeição, deverá realizar-se a actuação de um grupo etnográfico (por favor, escolham-me alguém de jeito, não olhem a despesas, se for preciso, cobrem bilhete para o funeral), desfiando um repertório de viras minhotos como nunca antes se viu. Aqui, toda a gente, sem excepção, deverá dançar. Considerarei uma prova especial de afecto e de respeito alguém dançar em cima da minha campa (que, já agora, deverá ter uma cruz de pedra com o meu nome, data de nascimento e de óbito, nada mais).
Como é mais que óbvio, se o baile durar menos de três dias, será um funeral de merda...