Sunday, August 26, 2007

No escuro do apeadeiro o meu coração
Bate no escudo do dinheiro na minha mão
É a máquina a vapor a minha dama
E o fumo a minha alma
Cinzento arroxeada como um ferida de Inverno

!
Chhiuuu…
Este é o comboio da minha vida
Repara como anda devagar, e eu entro
Cuidadosamente na carruagem do meio
Escolhida a dedo
Primeiro um pé no degrau, e depois o corpo inteiro
Nada de bagagem
Nada de medo.

O futuro é só daqui a três estações
Entretanto os carris vão ardendo e o comboio transformou-se em água mas não ferve
E já que o sentido da vida é leste
Lá fora as folhas de árvore vão chegar ao fundo do mar
No existencialismo da viagem a minha vida vai acabar
No comboio atiro desdenhosamente o bilhete pela janela.

E atenção, isto não é o poeta que diz, sou eu:
Que é quando o comboio mais me quer
Que eu lhe peço para ir mais longe.
Nunca tive amigos, nunca tive namorada e nunca tive família
Não devo nada a ninguém.
E não me leves a mal, mas sempre que penso em ti sinto um vazio no peito como se não tivesse coração.

Não sou todo eu?
A crepitar como uma folha amarelada,
A dormir com as costas geladas,
A estilhaçar o comboio?

Fundo-me na caravana
Feérico badalar de pólen no tecto
Mútuo roçagar entre o meu corpo e o veludo vermelho
(…e como a palavra “roçagar” me lembra as ondas do oceano insincero)
Oui, o meu vagão é o meu divã
E a minha mala a visão fluida, irónica e sonhadora
Quase escondida por este vidro tão sujo.
São coisas que ouvi do fundo do mar, das folhas das árvores
Profecias de lagartos esquecidos das horas.

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